quinta-feira, 26 de abril de 2007

A Qualidade, a Ética e a Igualdade nas Compras Públicas

O mundo perfeito quando falamos em compras governamentais é que estas se prestem ao papel de forte indutoras do processo de desenvolvimento empresarial, tamanho o poder e grandiosidade envolvidos. A grande dificuldade aparece quando confrontamos os modelos de aquisição permitidos por lei, as restrições tecnológicas derivadas das demandas do Estado e a capacidade das empresas em suprirem estas demandas. É aí que a questão se apresenta: Como fazer o Estado comprador adquirir produtos e serviços de qualidade, que atendam a todas as suas necessidades de forma eficiente e eficaz, promovendo o desenvolvimento amplo do ecossistema empresarial local?

Diversos modelos estão sendo colocados em prática no mundo. Basicamente, os modelos de desenvolvimento das indústrias estão lastreados em processos de compras protegidas, ou seja, compras que apresentam características particulares que privilegiam setores induzidos pelo Estado, concessões fiscais, barreiras alfandegárias, acesso facilitado a crédito, dentre outros instrumentos de fomento conhecidos. Este é o cenário de uma batalha sangrenta entre a ética e a lógica, travada todos os dias entre o Estado e os seus fornecedores.

Analisando a questão legal e sem ater-me a ela, a Lei 8.666/93, que trata das compras públicas, traz em seu Art. 3o que as licitações destinam-se a garantia do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a administração. No mesmo artigo, que o julgamento se dará em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. Ou seja, os processos de licitação não podem privilegiar nenhuma proposta em detrimento de outra, exceto com base nas condições objetivas do edital. Porém, em casos onde houver a necessidade para a contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, o art. 25º. torna inexigível a obrigatoriedade de licitação. A mesma lei que obriga a objetividade de critérios para tornar todas as empresas iguais perante o Estado comprador abre espaço para que, em determinadas situações onde a expertise técnica for fator indispensável para o atendimento pleno de uma demanda, possa haver contratação direta, valorizando os aspectos técnicos envolvidos na negociação.

Ainda na questão legal, outro termo que chama atenção é o da chamada “oferta mais vantajosa para o Estado”. Neste ponto, é importante desvincular o termo “vantagem” da abordagem perniciosa trazida pela “Lei de Gerson” onde o Estado possa comprar de forma tal que quem lhe venda seja reduzido às traças, restando-lhe minimamente a subvenção dos custos inerentes à operação. Ao contrário, lendo nas entrelinhas, entende-se pela aquela oferta que atenda aos requisitos mínimos estabelecidos em edital e que apresente as melhores condições de aquisição. Em uma abordagem popular, seriam as ofertas com melhor relação custo x benefício.

O que tem acontecido com muita freqüência é que o Estado tem comprado mal, pago mal, mesmo com a responsabilidade fiscal, e pago caro por isto. Em grande medida, as compras publicas, no anseio de cumprirem fielmente os preceitos legais - aqui descartadas as operações fraudulentas, matéria de direito penal e não administrativo - têm aceito ofertas bastante aquém do desejado, dando a entender que, quando da ocorrência do processo licitatório, as comissões de licitação foram bem sucedidas ao fazerem as melhores compras, independentemente da tibieza do licitante e dos artifícios usados para o atendimento do mínimo exigido. Para maximizar os resultados, as licitações são extremamente abertas, dando espaço para que concorrentes desqualificados se apresentem como solução para os problemas do Estado. Eticamente, este processo pode estar, à primeira vista, correto, porém, quando analisamos no longo prazo, nas infinitas ocasiões em que produtos abaixo das especificações repousam longamente em depósitos públicos por inadequação de uso, ou recompras de mesmo objeto, travestidas de novos processos, ampliam o rol do desperdício do dinheiro público, caem na vala rasa das ofertas que apenas a burocracia explica, e o pior, justifica.

O maior exemplo disto é o pregão. Diversos pareceres jurídicos já justificam a realização desta modalidade para serviços de alta complexidade, visando a “vantagem” pelo viés do custo, realçando a impressão de legalidade quando, na maioria das vezes, percebe-se, no médio prazo, um custo de propriedade brutal para os adquirentes das soluções “mágicas” oferecidas nos pregões. A sociedade do conhecimento está nos cobrando um preço alto demais por não sabermos valorar a sua subjetividade. As auditorias dos Tribunais de Contas limitam-se ao processo de compra, ignorando uma enorme quantidade de dinheiro público gasto erradamente, o que seria facilmente percebido se a auditoria acompanhasse o uso das soluções adquiridas durante o seu ciclo de vida normal.

Visando minorar o problema, a figura dos processos de técnica e preço aparece como um divisor de águas e um atenuante para questões técnicas mal resolvidas nas compras públicas. Por este mecanismo, reconhecem-se atributos técnicos que diferenciam as ofertas, em pesos que podem superar os impactos de preços. Ou seja, em um edital técnica e preço, a “vantagem” é comprar, dentre os melhores, o mais barato. Isto é vantagem real, desde que os pesos sejam distribuídos de forma técnica e equilibrada.

Da mesma forma que nos Pregões, esta modalidade tem o risco dos excessos. Pelo viés da técnica e preço, pode-se inverter a ordem dos pesos e qualificar melhor atributos pouco relevantes para o objeto da licitação. Assim, empresas que disfrutem das preferências do órgão licitante podem levar vantagens reais em uma licitação através da pontuação de itens que lhe sejam mais favoráveis, mesmo que estes contem pouco para a garantia de execução do contrato.

Neste ponto, onde a confusão é generalizada, o entendimento do que é de fato relevante para nortear os processos de compras governamentais torna-se essencial para o gestor público. Nenhum órgão deve ser penalizado se usar adequadamente a exigência de atributos como CMMI ou MPS-BR para licitações de software, mesmo sabendo que algumas empresas não participarão. Da mesma forma, licitações de serviços de segurança da informação com certificações ISO27001, ou para governança em TI (ISO20000), uma vez que estes selos garantem conformidade operacional destas empresas com os processos específicos do objeto contratado. A famosas certificações da família ISO9000 devem ser usadas quando aspectos de conformidade de processos produtivos sejam desejados. Embora garantam adequação de produto acabado em conformidade com requisitos de cliente, estas normas são pouco evidentes em atividades de processos e controles para atividades específicas ligadas à tecnologia, devendo pesar menos do que outros atributos reconhecidamente mais completos para tais atividades.

O certo é que o poder do Estado comprador não pode ser equivocadamente usado para beneficiar aquelas empresas que não investem em governança empresarial, em certificação dos seus processos finalísticos e, por conseguinte, que não atingem o nível de maturidade desejado para evitar compras inadequadas, levando ao desperdício do erário público. O equilíbrio entre a ética no uso das exigências corretas para escolha das empresas com capacidade para atender às demandas do Governo, dentro da lei, e a qualidade mínima desejada para as ofertas, é o ponto onde o Estado pode encontrar a sua melhor “Vantagem”. Ao se colocar como exigente comprador, o Estado incentiva a classe empresarial a investir em melhores práticas e em processos de qualificação, permitindo que a concorrência se dê entre iguais. Desta maneira, é imprescindível para os compradores que o corpo técnico responsável pelos processos de compra estejam atualizados em relação a estes requisitos, para que as compras públicas sejam o estímulo da atividade empresarial forte e inovadora, através de processos éticos e abertos, que valorizem mais os investimentos públicos.

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