quarta-feira, 2 de maio de 2007

É Só Alegria


Diz o povo que a hiena é um animal que come os seus restos e ri. Ri de que mesmo hein ? Talvez este animal consiga sentir um gosto especial, que vai além da nossa capacidade e, por isso, achamos o seu paladar um tanto singular. Existem populações que comem tantas “especiarias” exóticas que nos impedem de conceituar as hienas como anormais. Da mesma forma, existem pessoas que diante da situação mais grave e absurda em suas vidas, uma vez indagados sobre a sua condição atual, dizem sem pensar – É só alegria!!!.

Outras pérolas saem das mentes férteis destes que, tal como as hienas, reajem de forma incomum diante de um fato de aspecto estranho. Todos nós discernimos as coisas fundamentalmente da mesma maneira, porém cada um de nós traz a essa capacidade comum uma interpretação individual adicional. O bioquímico e prêmio Nobel Gerald Edelman observou que, embora os cérebros individualmente sejam extraordinariamente diferentes, eles compartilham “experiências, características e padrões neurais comuns especialmente na experiência sensorial. Sem essa base comum, seria impossivel nosso entendimento exceto em mundos individuais isolados. Assim, nossa compreensão usa uma base neurológica humana comum, mas implementações individuais singulares.

Embora não precisemos nos aprofundar na neurociência para compreender do que estamos falando, tais informações são bastante úteis para que percebamos o quanto podemos ser ajustados à uma realidade conveniente. Nos mesmos estudos sobre os mapas da mente, se constatou que os nossos cérebros não utilizam cem por cento das informações captadas no meio externo para formarem os conceitos. Experiências prévias, outros conhecimentos ou dogmas arraigados nas profundas da mente montam esquemas chamados de modelos mentais, os quais deixam pequenas lacunas para informações novas que vão nos dizer do mundo que nos cerca. Em outras palavras, uma vez montados os nossos esquemas, captamos apenas parte do que vemos para formar o nosso entendimento do cenário ao nosso redor. O nosso computador pode ser programado para agirmos em conformidade com preceitos sociais, culturais, etnicos, religiosos e políticos, de forma que atuemos em conformidade com a ordem vigente.

Talvez isto explique porque uma pessoa que não goza de absolutamente nenhum respeito da sociedade, visto que lhe falta educação, saúde, moradia digna, pensamento crítico que lhe imunize de programações nefastas, possa dizer que sua vida de tristeza pode ser resumida à frase “É só alegria”.

Não preciso escrever muito para dizer o quanto não aprecio as campanhas que tentam inflar o ego das populações carentes em busca da formação de um “modelo mental” que lhes alivie a dor de viverem nas condições em que vivem e, ainda por cima, compareçam como fiéis escudeiros de uma ordem vigente. Em um país onde a educação é tratada como algo enfadonho que faz parte das pastas governamentais mas que não desfruta de nenhuma preocupação lógica, largamente desprezada em função dos interesses de “marketing” proporcionados pela causa, fica muito fácil emburrecer uma população, tirando-lhe a capacidade de consciência crítica e o seu poder de reinvidicar o que lhe é de direito.

Em um país em que um criminoso que leu meia dúzia de livros é tratado como gênio, onde quem fala difícil é tido como culto e onde os meios de comunicação se prestam unicamente à valorização dos seus espaços publicitários, é muito fácil ter uma população em cujo modelo mental não caibam inputs relativos à baixa escolaridade, ao descalabro na saúde pública, ao recrudescimento do crime organizado e da violência acalentada pelo poder público, à corrupção generalizada nos governos e do vazio dos líderes populistas fronteirissos de carteirinha.

Nós baianos fomos submetidos à uma campanha intensa de que somos belos, criativos e felizes. Que ser 100% negro é motivo de orgulho e até status. Mas de que mesmo hein ? A nossa população negra, que é maioria no Estado, possui os piores salários, os maiores índices de desemprego, os maiores índices de analfabtismo, precisam de vagas reservadas nas Universidades para poderem ter acesso ao ensino superior. A nossa população em geral é criativa, mas destruímos teatros para o funcionamento de bingos, estamos destruíndo a nossa indústria da música sem colocarmos nada em seu lugar. Sabemos receber mais os números do nosso turísmo são pífios se comparados a outros destinos até menos graciosos do que a nossa bela Bahia. Os nossos serviços são da pior categoria. A nossa indústria da tecnologia da informação não decola por falta de profissionais capacitados para tal, a população está empobrecendo, a capital do Estado está falida e as instituições públicas completamente podres. Mas mesmo assim... É Só alegria!!!

Sinceramente, não consigo entender o que está acontecendo!!!

Ou estamos presenciando um fenômeno de cegueira coletiva, ou estamos indo a passos largos rumo ao nosso fundo do poço. Temos que reprogramar os nossos modelos mentais, negar a toda forma de emburrecimento coletivo, a toda propaganda falsa que sirva apenas para nos transformar em símbolos de campanhas de curto alcance e de benefícios limitados à pequenos grupos. Precisamos tomar o rumo das nossas vidas, discutir ativamente o nosso futuro, sair da mediocridade de acreditar piamente em quem apenas enxerga o seu próprio umbigo. Temos que romper os grilhões desta escravatura cultural em que nos metemos e pensar criticamente em nossos destinos. Podemos também não fazer nada disto, continuarmos lindos, negros e felizes, pensar que tudo isto faz parte da teoria da conspiração e, quando o futuro chegar, quando estivermos mendigando as raspas de um mundo tecnológico e global, agradeceremos aos nossos senhores com um belo sorriso e com o indefectível... É Só Alegria! Axé!

Paulinho de Tarso – 02/05/2007

2 comentários:

Nelson Góes disse...

Falta pouco, muito pouco mesmo, para que se torne um slogan do Govêrno... De afirmar, no seu canto megalomaníaco que, graças a ele, o brasileiro é um povo futurista... E que, come hoje, o que será a bosta de amanhã!...
Pobres imbecis!...
Custa muito admitir que, pelo andar da carruagem, estamos seguindo na rota de virar hienas?...

Reifa28 disse...

Atenção para não sermos injustos com as hienas, afinal é um felino extremamente astuto, com imensa capacidade de sobrevivência (devido a sua capacidade em adaptar-se e ser flexível), tem alto senso de solidariedade, pois constrói suas estratégias de defesa e ataque sempre em grupo, e ainda por cima, não se deixa impressionar pelos (teoricamente) mais fortes, como outros felinos e o próprio homem...
Pnsando bem, tirando a escatologia alimentar, caso estivésemos próximos ao padrão das hienas, talvez tivéssemos outros padrões sociais...