segunda-feira, 9 de julho de 2007

DOIS PRETOS E DUAS MEDIDAS...


Antes que os racistas de plantão me chamem de colega, quero lhes dizer que, como não sou parente do cônsul da Suécia, sou, tal qual 99% da população baiana, afro-descendente com muito orgulho, até porque a cor me cai muito bem. Talvez não seja 100% negro, mas, se morasse nos Estados Unidos, talvez pouca diferença existisse entre a minha pele e a de Pelé.

Assim é o mundo, desde os seus primórdios. No começo da colonização do Brasil, os nossos parentes degredados mandavam seus filhos estudarem na Europa, se sofisticarem na corte, para depois animarem os saraus e festas promovidas por nossos antepassados. Era absolutamente chique vestir as roupas que eram usadas na França e copiar os gestos tresloucados da elite imperial, mesmo no clima tropical do Brasil. Vestindo-se assim, era fácil separar os ricos e influentes dos pobres. As tribos se caracterizavam não por aspectos individuais comuns dos seus membros, mas pelo estereótipo de algo que, no velho mundo, representava o poder e a riqueza.

Talvez este costume seja lastreado em algum aspecto genético do ser humano, ligado quem sabe à preservação da espécie. Porém, o fato é que a representação da posse de patrimônio funcionava muitíssimo bem na época em que as terras e os títulos definiam os cidadãos e suas respectivas castas sociais. Com o advento da revolução industrial, no século XIX, a propriedade dos meios de produção passaram a ser o fator de geração de riqueza e ostentação de poder. No mundo do tangível, a materialização das representações sociais são facilmente auditáveis, pois estão lastreadas em coisas em que se pode tocar. A pergunta que não quer calar é: Por que então no mundo do imaterial, do virtual, os brasileiros insistem em trabalhar com as questões sociais tal qual estivéssemos no século XVI ?.

O acesso as altas castas da sociedade é permitido àqueles que, tal qual nossos primos enfeitados com os métodos europeus de então, ostentem características externas em que sejam exacerbadas as evidências físicas de posses e poder. Um afro-descendente em tons mais escuros tem mais dificuldade de morar em um condomínio de luxo do que um mesmo afro-descendente de tez mais clara. Os seus filhos não podem se casar com loiras bonitas sem que pareça interesse de sua parte usurpar uma condição pertinente à sua parceira. Idem para as suas filhas que não podem se casar com o filho do cônsul da Suécia sem parecer que é aproveitamento de gringo para sair da miséria. Ou seja, o fato dos africanos terem sido escravos lhes tirou o direito de serem comparados aos arianos no plano social. Somos liberais em uma sociedade de costumes absolutamente racistas e pagamos o preço da segregação.

O pior é que a comunidade Afro-descendente entrou na briga e criou a sua própria casta, invertendo a lógica do ser dominado e passou a requerer protecionismo, aumentando, ao meu ver, a sua condição de vítima da sociedade. Nos primeiros dias após a libertação dos escravos deve ter sido primordial a adoção de medidas que lhes assegurassem o seu direito de serem livres e a sua inserção na sociedade. Mas, passados 119 anos da abolição da escravatura no Brasil, ainda precisamos de cotas? Ou serão as Cotas a única resposta do governo à questão da ascensão social do negro no Brasil? A ausência de uma abastada elite negra no País, em número suficiente para que a mensagem de que todos somos iguais perante o capitalismo seja passada de forma contundente, com certeza impede que as manifestações racistas sejam abrandadas, senão abolidas. O problema não é a cor da pele. O problema é a condição social. Os afro-descendentes estão associados à pobreza e a associação a eles remete a esta condição social. Um empreendimento de luxo talvez tenha restrições aos afros para que fique clara a condição de associação de status e riqueza do empreendimento. Ainda não fazemos propagandas de carros comprados por afros para que a mensagem de que este produto não é para qualquer um e que este é apenas para os “selecionados” seja passada como diferencial maior deste carro. Ou seja, quando a sociedade associa cor da pele à condição social, tal qual no inicio da colonização do Brasil, os de pele menos favorecida são excluídos.

Quando uma ministra se dá ao luxo de dizer que é natural um homem de pele negra não gostar de um homem de pele branca, evidencia o quanto estamos longe do verdadeiro problema. Homens brancos já escravizaram homens brancos e nem por isso eles devem se odiar. Quando o governo institui as cotas, abre espaço para que aqueles que na sua pobreza foram desprestigiados de uma educação de base digna, sejam incluídos à força nas instituições de nível superior. Este não é um assunto de inclusão social simplesmente, é matéria de estatística, muito boa para os governos, mas questionável em termos de única solução para o problema. Será que a grande maioria sem base conseguirá se superar e se transformar em geradores de riqueza, em profissionais da sociedade do conhecimento? Onde eles vão aprender a pensar, a ter a visão crítica da sociedade? É no mesmo lugar em que deveriam estar se especializando em uma profissão? O nosso caso volto a dizer, não é se o quadro é preto ou branco, o nosso problema é se o homem é pobre ou rico e aí as questões como distribuição de renda, falta de planejamento, corrupção, falta de preparo dos governantes para governar, leis feitas no joelho e cumpridas quando convém, falência na educação do país, baixas taxas de crescimento, juros altos, muitos impostos, vão sendo colocadas por baixo do tapete, com soluções tampão para as suas conseqüências.

Se quisermos ser iguais de fato e de direito, temos que optar entre duas alternativas: Ou evoluir a mentalidade social do Brasil para que deixemos de nos valer de estereótipos para classificar a quem nos juntamos, ou cobramos da sociedade que prepare o seu povo, pobres e ricos para a igualdade. Que as instituições sejam iguais para todos, afinal não há nada mais racista do que um Estado que trata pobres e ricos diferentemente. Que os homens e mulheres do Brasil sejam respeitados na sua condição de cidadão com educação digna e condições de saúde idem. Devemos cobrar medidas saneadoras e não paliativas para esta praga social que é a discriminação social, para que todas as raças tenham chances iguais de se tornarem seres sociais sem distinção. Aí quem sabe, a cor da nossa roupa passe a ser apenas um detalhe a mais do nosso visual.