quarta-feira, 16 de maio de 2007

O Voto Emocional

O Voto Emocional

- Minhas Senhoras e Meus Senhores!!

- Povo da minha terra!!

- Gente como eu!!

- Meus amigos!!!

Deve estar no manual do “politiquês” moderno que se o político usar uma das frases acima poderá angariar alguns votos de simpatizantes que o verá como um ser do povo, amigo do povo e que trabalha incansavelmente pelo povo. Quem de nós não já se surpreendeu ao ver pessoas claramente mentindo em horários políticos da televisão escondendo-se por trás de frases de efeito como “tudo pelo social!!”, “gerando emprego e renda!!”, na nítida percepção de alguém vai acreditar neles.

O fato é que todos nós sentimos amor, amizade, desprezo e até ódio por algumas pessoas em nossas vidas. Esses sentimentos, segundo “a Vidente” Jo-Ellan Dimitrius em seu livro “Decifrar Pessoas”, tendem a comprometer nossa objetividade. “Não queremos pensar mal das pessoas que amamos e não queremos ver nada de bom naquelas que odiamos. Para complicar ainda mais a questão, não gostamos de mudanças. Por segurança e conveniência, temos um compromisso emocional – conosco – de manter as coisas exatamente como estão. A mesma corrente subterrânea que nos leva na direção do Status Quo também deturpa nossa objetividade quando estamos decidindo se devemos mudar”. Diz ainda a mesma escritora “quanto maior o compromisso emocional, maior a tendência a se comportar irracionalmente”.

Quinto Túlio Cícero, em carta ao irmão, Marco Túlio Cícero, candidato ao Consulado no ano 64 antes de Cristo, aconselhava-o a pensar, todos os dias, nas seguintes perguntas: “Que cidade é essa? Que cargo você pleiteia? Quem é você?” E sugeria a resposta: “Sou um homem novo, quero ser cônsul, aqui é Roma”. O homem novo expressava o perfil de resistência aos preconceitos dos velhos políticos; o cônsul era o cargo público mais elevado, algo como o presidente da República; e Roma designava tanto a capital quanto um país de vasta extensão que dominava o mundo mediterrâneo. Assim, como podemos observar, a fraqueza humana para o lado emocional no momento de avaliarmos os candidatos aos cargos públicos vem dos primórdios da sociedade organizada.

A quebra de paradigmas é o principal desafio imposto pelos que chegam ao mundo da política, para que os observadores o vejam como algo diferente, desafiador da ordem vigente e, portanto, merecedor de preciosos votos daqueles que ousam quebrar as barreiras da sua zona de conforto. De um jeito ou de outro, votamos pelo que sentimos e não pela racionalidade.

José Serra claramente perdeu a eleição para a presidência do Brasil porque não sabe sorrir, é feio e não fala a língua do povo. Atributos absolutamente dispensáveis quando pensamos em um administrador da coisa pública. Mesmo com a superexposição que recebeu na campanha, que o permitiu galgar rapidamente ao cargo de Governador do Estado, ele não teve chances contra um cara simpático, sorridente, de pensamento objetivo e curto e que é o povo encarnado. Quando ouço Lula conversar, fecho os olhos e me reporto ao botequim da esquina discutindo a ótima performance do Vitória no campeonato baiano e o porquê do Bahia estar na terceira divisão. E isto não o impediu de se eleger presidente da república por duas vezes consecutivas.

Ganhar o povo e a sua simpatia passaram a ser o único instrumento necessário a alguém se eleger a um cargo público. Propostas concretas para a melhoria das nossas vidas é algo secundário e acessório que não entra na discussão quando o assunto é política. Como resultado, ganhamos um poder público que legisla em causa própria, só pensa em poder, votos e dinheiro, sem se importar com os impactos negativos à sociedade dos quilos de decisões não tomadas por não se traduzirem em votos, dinheiro e poder ou por serem impopulares.

A cidade do Salvador é um exemplo claro disto. Temos uma prefeitura que não trabalha, vereadores que jamais viram uma verdadeira metrópole, sem falar nas comissões improdutivas do Estado e nos problemas estruturais que temos e não sabemos resolver. A nossa simpatia e medo de mudar, medo de pensarmos diferente, está nos condenando à mediocridade.

Se agíssemos diferente, cobrando propostas concretas de um pensamento desenvolvimentista e planejado dos nossos governantes, quem sabe poderíamos eleger pessoas feias e antipáticas, mas profundamente competentes, que poderiam resolver problemas sociais graves que temos há anos e que os bonitões não querem resolver. O voto do chinelo, da camisa, da falsa amizade, está sustentado por um sorriso temporal, por uma disponibilidade de acesso ao político absolutamente pontual e sem nenhum benefício concreto. Trocar nosso futuro por um par de chinelos, um emprego da tia, ou um amigo no poder é jogar fora a nossa chance de futuro. Deixar a emoção para a Fonte Nova no domingo, sem perder senso critico, é melhorar as nossas possibilidades de um futuro melhor e, com certeza, é diminuir a sensação de que somos diariamente enrolados.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

É Só Alegria


Diz o povo que a hiena é um animal que come os seus restos e ri. Ri de que mesmo hein ? Talvez este animal consiga sentir um gosto especial, que vai além da nossa capacidade e, por isso, achamos o seu paladar um tanto singular. Existem populações que comem tantas “especiarias” exóticas que nos impedem de conceituar as hienas como anormais. Da mesma forma, existem pessoas que diante da situação mais grave e absurda em suas vidas, uma vez indagados sobre a sua condição atual, dizem sem pensar – É só alegria!!!.

Outras pérolas saem das mentes férteis destes que, tal como as hienas, reajem de forma incomum diante de um fato de aspecto estranho. Todos nós discernimos as coisas fundamentalmente da mesma maneira, porém cada um de nós traz a essa capacidade comum uma interpretação individual adicional. O bioquímico e prêmio Nobel Gerald Edelman observou que, embora os cérebros individualmente sejam extraordinariamente diferentes, eles compartilham “experiências, características e padrões neurais comuns especialmente na experiência sensorial. Sem essa base comum, seria impossivel nosso entendimento exceto em mundos individuais isolados. Assim, nossa compreensão usa uma base neurológica humana comum, mas implementações individuais singulares.

Embora não precisemos nos aprofundar na neurociência para compreender do que estamos falando, tais informações são bastante úteis para que percebamos o quanto podemos ser ajustados à uma realidade conveniente. Nos mesmos estudos sobre os mapas da mente, se constatou que os nossos cérebros não utilizam cem por cento das informações captadas no meio externo para formarem os conceitos. Experiências prévias, outros conhecimentos ou dogmas arraigados nas profundas da mente montam esquemas chamados de modelos mentais, os quais deixam pequenas lacunas para informações novas que vão nos dizer do mundo que nos cerca. Em outras palavras, uma vez montados os nossos esquemas, captamos apenas parte do que vemos para formar o nosso entendimento do cenário ao nosso redor. O nosso computador pode ser programado para agirmos em conformidade com preceitos sociais, culturais, etnicos, religiosos e políticos, de forma que atuemos em conformidade com a ordem vigente.

Talvez isto explique porque uma pessoa que não goza de absolutamente nenhum respeito da sociedade, visto que lhe falta educação, saúde, moradia digna, pensamento crítico que lhe imunize de programações nefastas, possa dizer que sua vida de tristeza pode ser resumida à frase “É só alegria”.

Não preciso escrever muito para dizer o quanto não aprecio as campanhas que tentam inflar o ego das populações carentes em busca da formação de um “modelo mental” que lhes alivie a dor de viverem nas condições em que vivem e, ainda por cima, compareçam como fiéis escudeiros de uma ordem vigente. Em um país onde a educação é tratada como algo enfadonho que faz parte das pastas governamentais mas que não desfruta de nenhuma preocupação lógica, largamente desprezada em função dos interesses de “marketing” proporcionados pela causa, fica muito fácil emburrecer uma população, tirando-lhe a capacidade de consciência crítica e o seu poder de reinvidicar o que lhe é de direito.

Em um país em que um criminoso que leu meia dúzia de livros é tratado como gênio, onde quem fala difícil é tido como culto e onde os meios de comunicação se prestam unicamente à valorização dos seus espaços publicitários, é muito fácil ter uma população em cujo modelo mental não caibam inputs relativos à baixa escolaridade, ao descalabro na saúde pública, ao recrudescimento do crime organizado e da violência acalentada pelo poder público, à corrupção generalizada nos governos e do vazio dos líderes populistas fronteirissos de carteirinha.

Nós baianos fomos submetidos à uma campanha intensa de que somos belos, criativos e felizes. Que ser 100% negro é motivo de orgulho e até status. Mas de que mesmo hein ? A nossa população negra, que é maioria no Estado, possui os piores salários, os maiores índices de desemprego, os maiores índices de analfabtismo, precisam de vagas reservadas nas Universidades para poderem ter acesso ao ensino superior. A nossa população em geral é criativa, mas destruímos teatros para o funcionamento de bingos, estamos destruíndo a nossa indústria da música sem colocarmos nada em seu lugar. Sabemos receber mais os números do nosso turísmo são pífios se comparados a outros destinos até menos graciosos do que a nossa bela Bahia. Os nossos serviços são da pior categoria. A nossa indústria da tecnologia da informação não decola por falta de profissionais capacitados para tal, a população está empobrecendo, a capital do Estado está falida e as instituições públicas completamente podres. Mas mesmo assim... É Só alegria!!!

Sinceramente, não consigo entender o que está acontecendo!!!

Ou estamos presenciando um fenômeno de cegueira coletiva, ou estamos indo a passos largos rumo ao nosso fundo do poço. Temos que reprogramar os nossos modelos mentais, negar a toda forma de emburrecimento coletivo, a toda propaganda falsa que sirva apenas para nos transformar em símbolos de campanhas de curto alcance e de benefícios limitados à pequenos grupos. Precisamos tomar o rumo das nossas vidas, discutir ativamente o nosso futuro, sair da mediocridade de acreditar piamente em quem apenas enxerga o seu próprio umbigo. Temos que romper os grilhões desta escravatura cultural em que nos metemos e pensar criticamente em nossos destinos. Podemos também não fazer nada disto, continuarmos lindos, negros e felizes, pensar que tudo isto faz parte da teoria da conspiração e, quando o futuro chegar, quando estivermos mendigando as raspas de um mundo tecnológico e global, agradeceremos aos nossos senhores com um belo sorriso e com o indefectível... É Só Alegria! Axé!

Paulinho de Tarso – 02/05/2007